O Land Rover da minha mulher tem muitos problemas: é lento, perde óleo, deixa entrar água e a janela do passageiro desce durante a noite para deixar entrar os pássaros, que fazem cocó nos bancos e activam o alarme. Tem a condução de um guarda‑fatos de três portas, três dos quatro guarda‑lamas já caíram e vem um cheiro a bafio da parte de trás. Pela positiva, tem uma porcaria de rádio. Sim, estranhamente, isso é uma coisa boa. Para ir para o trabalho da minha casa, no condado rural de Herefordshire, até Londres, ligo o 911 e o rádio e ponho‑me a caminho. Na semana passada, com o meu 911 na oficina por causa de uma roda que teve um encontro com um passeio (NÃO TIVE NADA A VER COM ISSO), levei a fedorenta carroça do bolor da Mindy. Dei à chave e o TD5 começou a trabalhar, mas tive um problema com o rádio. Isto poderia dever‑se à estrutura maioritariamente em alumínio do carro ou apenas porque o rádio é uma porcaria – seja como for, não o consegui pôr a funcionar devidamente.
Embora as estações de rádio não tenham acompanhado a proliferação dos canais de TV, ainda há muitas por aí, e o rádio do Land Rover não conseguia decidir em que estação ficar, preferindo variar, pousando numa durante um segundo e flutuando depois para outra como uma borboleta sonora. E, nos dois segundos que ficava numa estação, o sinal não era nítido. Soava como uma brisa forte a atravessar uma fábrica de pacotes de batatas fritas.
São 209 quilómetros da minha casa a Londres, pelo que no Land Rover tinha 12 a 15 horas para pôr o rádio a funcionar. E após 11 ou 12, consegui. Uma estação tinha o que era necessário para captar a atenção da máquina, e o rádio manteve‑a seleccionada, orientando lentamente os seus bigodes de gato ou ecrã de plasma, ou lá o que é, até a sintonizar devidamente. E quando finalmente o fez, ouviu‑se, saída da salganhada ruidosa, uma música em especial. Son of a Preacher Man de Dusty Springfield poderá não ser a sua música preferida, mas inflamou‑me e deixou a minha pequena carcaça com pele de galinha ao mesmo tempo. É que esta foi a primeira canção que toquei na rádio, logo no início do que poderei chamar optimistamente de ‘a minha carreira’, em 1989. E lembrei‑me de cada segundo daquele dia. De estar à porta do estúdio 1B da BBC Radio York num domingo de manhã, com uma caixa de discos e auscultadores emprestados, antes de entrar e apresentar o meu primeiro programa. Visitei os lavabos nove vezes para ter a certeza de que nada desagradável interrompesse a minha estreia radiofónica. Quando as notícias terminaram, estiquei‑me e, com um dedo trémulo, carreguei no botão da mesa de transmissão que me deu o controlo da emissão. Quando o repórter de notícias fez a despedida, ajustei um fader para acionar o novo jingle de saída; com a mão esquerda, ajustei outro fader para fazer entrar Dusty Springfield.
Só há cerca de cinco segundos no início de Son of a Preacher Man antes de Dusty começar a cantar – tive suficiente para me enganar na introdução e atropelar a vocalista com o meu próprio nome, dito numa voz cómica e esganiçada que nunca tive ouvido sair da minha boca. Um início pouco auspicioso, mas um momento vital para mim, agora recriado em Technicolor, graças ao encontro acidental com esta música. Sem o rádio dar com a música, é provável que não a ouvisse durante mais alguns anos. É por isso que estou agradecido à porcaria de rádio do Land Rover da Mindy e lanço um aviso ao mundo automóvel para que, nesta nova senda de rádio digital e por satélite, lutemos para proteger os enormes benefícios que a selecção limitada de estações para ouvir no carro nos traz.