sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Clarkson Powered Up - Legenda PT-PT


Trailer:

Sinopse:

Jeremy Clarkson ruma ao sul da França, onde testa alguns dos carros mais desejados da actualidade no Circuito de testes Paul Ricard. Entre os carros apresentados estão o Ferrari FF, o Ferrari 458 Italia, o McLaren MP4-12C, o mais recente Nissan GTR, o Porsche GT2 RS, o Lamborghini Performante e o BMW 1M. Este filme conta ainda com a presença especial do Stig e do piloto de Formula 1 Karun Chandhok.


Comprar aqui
Download da Legenda em PT-PT:

Hammond sobre a coreografia da condução no trânsito

Ele estava, sem qualquer dúvida, furioso; brutalmente zangado, capaz de grande violência – um adulto cheio da mesma raiva estúpida e desprezo irreprimível de um rufia de dez anos. Temi pelo outro homem – isto podia correr mal, e quem sabe o que o rufia iria fazer? E quando pensei que isto ia tudo detonar e dar para o torto, a situação foi salva. Chegou mais alguém, cheio de atenção e boa educação e, deslizando serenamente pelo meio da situação instável, dissipou todo o perigo. E ninguém saiu do carro nem trocou insultos.
Toda esta tensão foi silenciosa, para além da expressão vocal limitada dos motores dos respectivos carros. O rufia tinha rosnado ao volante do seu carro, mas a distância e a posição do Sol impossibilitaram a comunicação facial da sua fúria à vítima no carro da frente. Ele não tinha abalroado o outro, e nem sequer tinha buzinado ou gritado com a cabeça fora da janela, mas eu reparei, enquanto via esta autêntica peça, que ele tinha transmitido claramente que era o canzarrão, e que não tinha qualquer problema em aniquilar o cãozinho, de forma a mostrar a toda a gente que exigia respeito. Por sua vez, o tipo da frente também transmitiu claramente a sua resposta. Um carro não tem cauda, mas juro que aquele a tentou meter entre as pernas de trás. Um carro não pode arquear os ombros e encolher‑se, mas este fê‑lo, esboçando pequenos movimentos desconfortáveis, e travagens constrangidas enquanto se aproximava da rotunda, seguidos de olhares experimentais e nervosos para o trânsito que se aproximava.
Não foram os próprios carros que contaram esta história: o rufia estava num monótono e totalmente comum hatchback – um Honda, acho eu – e a vítima estava num carro apenas ligeiramente mais pequeno, um Peugeot 207. Não foi, portanto, a diferença de tamanho, nem sequer o estilo visual, que enviou todas estas mensagens, mas sim a forma como conduziam, a sua linguagem corporal. E ao ver isto, pergunto a mim mesmo porque é que nunca tomou forma: o bailado automóvel. Não sou um amante das artes (vivo em Ross-on-Wye e restauro Land Rover antigos), mas ao assistir à comunicação complexa entre estes dois condutores durante a batalha delicada, quero ver mais, quero ver uma exploração mais séria deste incrível meio de expressão. E não foram executados movimentos teatrais, como piruetas, reviravoltas nem acrobacias. Como microexpressões, os movimentos mais pequenos e aparentemente insignificantes revelam os pensamentos, mensagens e intenções de alguém. Há algo de profundo na forma como um carro se aproxima de um cruzamento, onde se posiciona, se vira devagar ou rapidamente, se acelera ou trava energicamente; tudo isto pode ser feito de forma puramente robótica ou com alma e sentido. E penso que a maioria das vezes é com alma e sentido. Todos nós somos intérpretes.
Claro que esta nova companhia de bailado automóvel vai precisar de um palco, mas já existe um – as estradas onde conduzimos. As performances seriam desempenhadas em contexto, para uma audiência envolvida. Seria incrível assistir, durante a viagem diária para o trabalho em Londres, a um bailado sobre amor, perda ou rivalidade desempenhado por três Astras e um par de Clios, mas sem quaisquer ilegalidades nem conduções perigosas. A rádio local poderia contar à audiência um pouco da narrativa, e os subtis movimentos dos carros transmitiriam um amplo escopo de emoções e significado. Teríamos um Smart Coupe no papel principal de uma cisne fêmea que ama sem ser correspondida, desprezada pelo objecto da sua paixão – um belo mas estúpido Monaro – perseguido pela M4 e depois pela A329M abaixo, para Bracknell, por duas galinholas perturbantes, interpretadas por dois tipos em Astras cinzentos. Ao assistir a este magnífico espectáculo até o dia começava melhor. E os intérpretes não seriam pagos porque desempenhariam os papéis enquanto se deslocavam para o trabalho.
Também vou compor uma peça a solo – será sobre um marinheiro que volta do mar e descobre que a mulher fugiu com um amigo e que a sua casa foi alugada a uma família de padeiros –  e interpretá-la. Incluirei uma secção comovente em que o marinheiro reflecte sobre os seus anos no mar e o abismo que isso colocou entre a vida em terra e a vida no mar. Comunicarei raiva, tristeza e arrependimento com a minha condução. Se me encontrar, tenha paciência: a interpretação será, de início, rude. Mas quando a polir, será algo belo.

Hammond sobre carros de mulher e carros de homem


Conduzir em pista, qualquer que seja o seu nível de capacidade, é tão excitante quanto perseguir um tigre que lhe roubou a carteira, e nós na TopGear temos a sorte de o fazer. Há uns meses, fomos convidados por Bernie Ecclestone para conduzir no circuito de F1 no Mónaco; e até para um aselha como eu, foi uma experiência espantosa. Sortudos como somos, já conduzimos em pistas um pouco por todo o mundo e em tudo, desde carros humildes a bólides de F1, e embora as capacidades de condução escondidas que eu possa ter se tenham revelado muitíssimo bem escondidas e pouco prováveis de aparecerem, posso dizer com toda a certeza que a experiência de conduzir num circuito, em qualquer carro, é magnífica. Mas também digo que uma volta num circuito não contém a riqueza, profundidade e variedade de revelações complexas que nos esperam numa ida às compras numa manhã de sábado.
Pedi emprestado o Fiat 500C da minha esposa para uma expedição às lojas em Cheltenham com as minhas duas filhas, e vi‑me no meio do assédio e intimidação constantes por parte dos outros condutores. Chatearam‑me pela traseira, passaram rente ao pequeno Fiat branco, travaram a fundo à minha frente e fizeram‑me sentir, no geral, como o miúdo que leva porrada dos outros no recreio. Um homem num Peugeot varreu‑me praticamente da estrada, já perto da cidade. Acabei por encostar à berma, desejoso de evitar um acidente com as duas miúdas no carro, e ele lá passou por mim. Ele era gordo, suava por todos os lados e vestia um polo rosa salmão com poucas fibras naturais. Até devia ter um emprego de responsabilidade. Uma senhora até poderia estar desejosa de casar com ele, apesar da corpulência e do suor. Talvez ele fosse engraçado. Mas tinha acabado de forçar um homem com as suas filhas a sair da estrada com o seu ataque imbecil. Desejei que lhe acontecessem coisas horríveis; nenhuma se terá concretizado, porque eram bastante especiais e teriam aparecido nos noticiários caso tivessem realmente acontecido.
Quando voltei a casa, perguntei à minha mulher se era importunada constantemente no Fiat. Ela respondeu que não. Ao que parece, a Mindy anda por aí no pequeno Fiat envolta numa bolha de felicidade, sem provocar ondas no lago viário. “Mas estás sempre a dizer que um camionista quase te empurrou para fora da estrada ou que um tipo numa carrinha se meteu mesmo à tua frente.” Mas isso é só no Range Rover. E parece que nunca aconteceu no 500.
Voltei a correr a manhã na minha cabeça, em busca de pistas. Os prevaricadores eram todos homens. E eram homens de um tipo específico: grandes, pouco cabelo, suados – muito másculos, portanto. Conduziam carrinhas, BMW, Mercedes ou Astras comerciais e Peugeot práticos. Eu também sou um homem, mas estava num pequeno Fiat branco com capota. E duas miúdas. E depois lembrei‑me de todas as vezes que passei na estrada para Cheltenham sem atrair aquele tipo de atenção. Estava no Range Rover ou noutro carro grande qualquer, desportivo ou agressivo. Aqui está a resposta: os condutores estavam a responder ao cenário completo. Um homem num carro de homem: tudo bem. Uma mulher num carro de mulher: não há crise. Mas um homem num carro de mulher desperta um alarme dentro deles, e transformam‑se em cães de guarda confusos. Vêem uma mulher naquilo que consideram um carro de homem e os seus pequenos cérebros mandam‑lhes atacar, porque não compreendem.
O cenário é o elemento-chave e funciona ao contrário. Enquanto conduzia até à casa de um amigo, tive de enfiar o Range Rover numa sebe porque um Toyota Prius cortou uma curva, em sentido contrário, enquanto se deslocava a um milhão de quilómetros por hora. Ao volante estava um homem de 60 anos, com uma expressão ameaçadora. Já reparei que isto acontece muito com condutores de Prius. Como sabem que o seu híbrido é visto por muitos como carro de senhora, os homens que o conduzem querem refutar isto ao conduzir com um grau de agressão reservado para tripulações de tanques. Deverei então partir do princípio que os Toyota Prius que encontrar vão tentar abalroar‑me?
Resumindo e concluindo, penso que o exame de condução não é suficientemente abrangente. Após a parte fácil de saber conduzir um carro em segurança, o instruendo deve concluir um curso de psicologia de quatro anos.

Hammond sobre a modificação de carros ou motas

Isto é um pouco embaraçoso. Só passaram uns meses, desde que escrevi sobre a futilidade de modificar carros e motas. Estes veículos foram desenhados e construídos por empresas multimilionárias com acesso a pesquisa e perícia à escala global, e usam tudo isso para optimizar o desempenho, a praticabilidade e o estilo dos seus produtos antes de os montarem com precisão robótica. Uma visita ao Halfords e a instalação de uns autocolantes e uma entrada de ar no capô não vai melhorar nada, pois não? Nessa altura, pedi à nação para largar as ferramentas.
É por causa de tudo isso que é embaraçoso para mim ter sido visto a andar pelos corredores do Halfords esta semana, com os dedos oleosos e a carteira mais leve. Enquanto escrevo isto já a nova série TopGear está de no ar, e normalmente teria passado o período de férias a fazer um documentário sobre uma ponte ou sentado num estúdio a ver pessoas serem mandadas para o hospital num percurso de obstáculos na Argentina. Desta vez, passei o tempo livre a lutar com porcas teimosas, descarnar fios e abrir caixas de peças, e até comprei umas chaves de lunetas com roquete. Não vou tentar explicar esta curva hipócrita de 180 graus; vou apenas confessar e ver se isto se transforma em preciosa catarse.
A mota em questão é a minha Suzuki Hayabusa. Não é uma mota de pista, mas há muito tempo que é considerada a mota mais veloz em produção em termos de velocidade em reta. O problema é que a uso para a viagem de ida e volta para Londres, em trabalho. Sou apresentador de televisão e preciso de transportar guiões, camisas, sapatos e garrafas de produto para o cabelo. E tudo o que consigo enfiar num saco fica estropiado. Se pagarem a um sujeito para apresentar um programa e o tipo chegar lá com uma camisa mais enrugada que a cara do Jeremy, um penteado à Hitler e botas de motociclismo sob as calças, é possível que fiquem chateados.
Eu preciso é de uma mota com malas laterais para pôr lá a tralha. E isso implica mudar de mota, porque a Hayabusa não as tem. Foi concebida para perfurar o ar tão bem quanto a lendária ave de rapina japonesa cujo nome herdou. Mas eu gosto da Hayabusa. Os 1.300 cm3 de capacidade do motor devem‑se a um curso longo ao invés de um diâmetro largo – a mota é, portanto, bastante pujante e dispõe de imenso binário a baixa rotação. E só tem três anos e vale cerca de 25 cêntimos. Uma tourer com malas e montes de equipamento custar‑me‑ia mais de dez mil. E não gostaria tanto dela. E foi por isso que virei o bico ao prego da minha opinião e escolhi modificá‑la.
Uma pesquisa na Internet revelou um suporte para a Busa e um conjunto fixe de malas em alumínio, do género que o Ewan McGregor e o Charley Boorman tinham nas suas enormes motas TT quando circum‑navegaram o mundo. A primeira coisa a chegar foi o suporte. As instruções mandavam‑me remover os painéis traseiros, os bancos e a pega para o poder instalar. Fi‑lo em menos de dois dias de esforço contínuo. Em seguida chegou o guarda‑lamas traseiro. As instruções mandavam‑me remover tudo o que tinha acabado de remover e montar, ligar uma luz nova e instalar o guarda‑lamas. Fiz o trabalho em menos de uma semana. O elemento final, o apoio das malas, também chegou. As instruções mandaram‑me, após remover toda a carroçaria traseira e tudo o que montei, instalar uma barra no guarda‑lamas antigo. Aquele que substituí e cujas ligações troquei. Proferi uns palavrões.
Desmontei a traseira toda da mota. Rebentei o fusível da luz da matrícula. Os fusíveis estão sob a carenagem dianteira. Desmontei a dianteira da mota. Passei horas só a olhar para as cablagens. Falei comigo mesmo. Instalei piscas novos e chorei de alegria. Trabalhei durante a noite. Fiquei com saudades dos miúdos. Comprei cabos novos de cores lindas. Falei com estranhos na rua sobre o que fiz. No fim, recuei e olhei bem para a mota. Tal como Frankenstein, fiquei horrorizado pela fealdade do que fiz, mas adoro‑a. É única, especial e carrega agora no seu ADN parte de mim.
E passarei a conduzir a minha mota – que, só por acaso, tem o aspecto de um golfinho leproso com um contentor enfiado no traseiro – com respeito recém descoberto por aqueles que agitaram as ferramentas na face da indústria automóvel e trilharam o seu próprio caminho. Talvez nós possamos contribuir, fazer a diferença, criar as coisas conforme queremos que sejam. Uma das malas está torta e a luz da matrícula não deve sobreviver a uma chuvada. Mas a mota é única e minha. Isto é que foi mudar de opinião!