sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Hammond sobre a modificação de carros ou motas

Isto é um pouco embaraçoso. Só passaram uns meses, desde que escrevi sobre a futilidade de modificar carros e motas. Estes veículos foram desenhados e construídos por empresas multimilionárias com acesso a pesquisa e perícia à escala global, e usam tudo isso para optimizar o desempenho, a praticabilidade e o estilo dos seus produtos antes de os montarem com precisão robótica. Uma visita ao Halfords e a instalação de uns autocolantes e uma entrada de ar no capô não vai melhorar nada, pois não? Nessa altura, pedi à nação para largar as ferramentas.
É por causa de tudo isso que é embaraçoso para mim ter sido visto a andar pelos corredores do Halfords esta semana, com os dedos oleosos e a carteira mais leve. Enquanto escrevo isto já a nova série TopGear está de no ar, e normalmente teria passado o período de férias a fazer um documentário sobre uma ponte ou sentado num estúdio a ver pessoas serem mandadas para o hospital num percurso de obstáculos na Argentina. Desta vez, passei o tempo livre a lutar com porcas teimosas, descarnar fios e abrir caixas de peças, e até comprei umas chaves de lunetas com roquete. Não vou tentar explicar esta curva hipócrita de 180 graus; vou apenas confessar e ver se isto se transforma em preciosa catarse.
A mota em questão é a minha Suzuki Hayabusa. Não é uma mota de pista, mas há muito tempo que é considerada a mota mais veloz em produção em termos de velocidade em reta. O problema é que a uso para a viagem de ida e volta para Londres, em trabalho. Sou apresentador de televisão e preciso de transportar guiões, camisas, sapatos e garrafas de produto para o cabelo. E tudo o que consigo enfiar num saco fica estropiado. Se pagarem a um sujeito para apresentar um programa e o tipo chegar lá com uma camisa mais enrugada que a cara do Jeremy, um penteado à Hitler e botas de motociclismo sob as calças, é possível que fiquem chateados.
Eu preciso é de uma mota com malas laterais para pôr lá a tralha. E isso implica mudar de mota, porque a Hayabusa não as tem. Foi concebida para perfurar o ar tão bem quanto a lendária ave de rapina japonesa cujo nome herdou. Mas eu gosto da Hayabusa. Os 1.300 cm3 de capacidade do motor devem‑se a um curso longo ao invés de um diâmetro largo – a mota é, portanto, bastante pujante e dispõe de imenso binário a baixa rotação. E só tem três anos e vale cerca de 25 cêntimos. Uma tourer com malas e montes de equipamento custar‑me‑ia mais de dez mil. E não gostaria tanto dela. E foi por isso que virei o bico ao prego da minha opinião e escolhi modificá‑la.
Uma pesquisa na Internet revelou um suporte para a Busa e um conjunto fixe de malas em alumínio, do género que o Ewan McGregor e o Charley Boorman tinham nas suas enormes motas TT quando circum‑navegaram o mundo. A primeira coisa a chegar foi o suporte. As instruções mandavam‑me remover os painéis traseiros, os bancos e a pega para o poder instalar. Fi‑lo em menos de dois dias de esforço contínuo. Em seguida chegou o guarda‑lamas traseiro. As instruções mandavam‑me remover tudo o que tinha acabado de remover e montar, ligar uma luz nova e instalar o guarda‑lamas. Fiz o trabalho em menos de uma semana. O elemento final, o apoio das malas, também chegou. As instruções mandaram‑me, após remover toda a carroçaria traseira e tudo o que montei, instalar uma barra no guarda‑lamas antigo. Aquele que substituí e cujas ligações troquei. Proferi uns palavrões.
Desmontei a traseira toda da mota. Rebentei o fusível da luz da matrícula. Os fusíveis estão sob a carenagem dianteira. Desmontei a dianteira da mota. Passei horas só a olhar para as cablagens. Falei comigo mesmo. Instalei piscas novos e chorei de alegria. Trabalhei durante a noite. Fiquei com saudades dos miúdos. Comprei cabos novos de cores lindas. Falei com estranhos na rua sobre o que fiz. No fim, recuei e olhei bem para a mota. Tal como Frankenstein, fiquei horrorizado pela fealdade do que fiz, mas adoro‑a. É única, especial e carrega agora no seu ADN parte de mim.
E passarei a conduzir a minha mota – que, só por acaso, tem o aspecto de um golfinho leproso com um contentor enfiado no traseiro – com respeito recém descoberto por aqueles que agitaram as ferramentas na face da indústria automóvel e trilharam o seu próprio caminho. Talvez nós possamos contribuir, fazer a diferença, criar as coisas conforme queremos que sejam. Uma das malas está torta e a luz da matrícula não deve sobreviver a uma chuvada. Mas a mota é única e minha. Isto é que foi mudar de opinião!

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