sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

May sobre a relação dos condutores com o álcool


Descobri relativamente cedo na minha vida que não é possível embebedar‑me e tocar piano. Isto ainda hoje me deixa perplexo porque sou, sem qualquer sombra de dúvida, um jogador de setas muito melhor após três canecas. Com duas tenho uma pontaria um pouco errática, e com quatro já as pessoas se escondem atrás da mobília do bar e tiram as valiosas gravuras vitorianas das paredes para as proteger de mim. Mas com três canecas atinjo o auge da memória muscular, e os velozes dardos voam certos e seguros, como Hermes alados, em direcção ao bull. Acontece‑me algo similar com o snooker, mas bastam duas canecas. Aquela sensação inata, comum a todos os bons jogadores, de entender na perfeição a física newtoniana complexa das bolas emerge nas minhas entranhas como um daqueles momentos de clareza em que resolvemos um problema muito difícil. E lá vai a bola azul, de uma distância do caraças. Viram esta tacada?
Nunca fui grande desportista, mas pergunto‑me se existem mais jogos que domino depois de beber umas “jolas”. Era especialmente mau no críquete quando andava na escola, mas nessa altura ninguém me deu umas canecas antes dos jogos. Talvez tivesse sido brilhante. É por isso, entre as poucas ambições que tenho, que desejo ardentemente organizar um evento desportivo chamado As Olimpíadas Embriagadas. Ao invés de me preocupar com o doping, nivelo a fasquia ao instituir como requisito que os atletas bebam oito latas daquela cerveja péssima de marca estranha antes de entrarem no estádio. Isto tornaria as Olimpíadas mais inclusivas, já que as qualidades necessárias para triunfar são aprendidas num bar, e há mais pessoas nos bares do que nos clubes desportivos. E ia tornar o salto à vara muito mais divertido.
Voltando ao piano... Não. Não dá se houver cerveja dentro de mim. E a experiência também não é tão boa. É que a música – tal como é – vai entrar por ouvidos bêbedos, e o próprio prazer táctil de dedilhar as teclar é corrompido. E tenho a impressão alarmante de o piano estar prestes a cair para cima de mim. Chego assim ao assunto espinhoso de beber e conduzir. É que a melhor razão para não o fazer não é moral; é que o álcool estraga o prazer de condução. Conduzir é um pouco como tocar um instrumento, no sentido em que tem a ver com sensações subtis, que são entorpecidas pela bebida. A bebida é o comportamento dúbio do carro e dos travões condensado numa garrafa. Portanto, se um BMW M3 estiver a ir em sua direcção numa estrada estreita, e se o condutor estiver bêbedo, está efectivamente em rota de colisão com um Triumph Mayflower. Talvez seja um desses velhotes que diz que depois de uns copos conduz melhor, mas isso é ilusão. É nesse ponto que eu começo a pensar que danço bem. A diferença é que há vídeos de mim a dançar, e eu sei que estou errado. Após ter reflectido um pouco, apercebi‑me de que o campo é mais perigoso do que eu pensava. Já é uma zona de risco porque é escura, cheira mal e foi concebida para lhe torcer o tornozelo, para além de alojar Richard Hammond.
E depois há os bares. Não pude deixar de reparar que existem muitos no meio do nada. Não há autocarros no mato, tal como o pessoal do campo nos relembra constantemente na Radio 4, e a única maneira de lá chegar é de carro. E será que as pessoas se vão dar a tanto trabalho para beberem um panaché? Não me parece. E vão ter de regressar a casa. Há aqui outro problema, onde os perigos de beber e conduzir espelham os perigos da bebedeira em si. Depois de beber umas, vai estar demasiado bêbedo para perceber que devia parar. Isto é inofensivo, caso se limite a cambalear umas centenas de metros e depois tente dormir no canteiro do vizinho, mas se a sua cama está a 8 km de distância, e tem de atravessar pântanos e florestas habitadas por medievalistas loucos, vai necessitar da segurança do seu carro. O meu conselho para quem bebe em zonas rurais: se vai exagerar, certifique‑se de que bebe o suficiente para terem de o transportar dali para fora. Eu sou fã do álcool, e penso que a bebida aproxima as pessoas. Defenderia até à morte o nosso direito a ficarmos alegres perante os reformistas sisudos. Mas não é compatível com a condução.
Beber e conduzir espatifa carros.

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