sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

May sobre competências que se tornaram obsoletas


Um dia destes vi uma casa com telhado de colmo. Uma coisa linda. Não faço a mínima ideia de como se faz um telhado de colmo, mas envolve fazer um telhado inteiro, de preferência impermeável, com uma mão‑cheia de galhos velhos. Há alguns séculos, suponho que centenas ou milhares de pessoas soubessem fazer telhados de colmo, até porque foi daí que veio o apelido Thatcher. Hoje em dia, só um punhado de pessoas percebe do assunto. Claro que também só existe um punhado de casas com telhado de colmo em 2011, portanto a proporção está equilibrada. A minha casa tem telhas, e, para ser honesto, eu também não quereria dormir sob uma fogueira em potência, nem que fosse construída pelo próprio Baden‑Powell. Mas como as casas com telhado de colmo ainda existem, é porque há pessoas que os sabem reparar. Essa competência tornar‑se‑á altamente especializada e não deverá morrer.
Muitas pessoas preocupam‑se com este tipo de coisas. No outro dia, ouvi no rádio um campanólogo a queixar‑se de que a arte de tocar os sinos iria em breve desaparecer, porque os jovens não se interessam. Eu cá duvido que seja assim, porque existem sempre medievalistas que são atraídos pelo risco de enforcamento como passatempo de domingo de manhã. Desde que estas pessoas existam, os sinos soarão. Então e se os jovens não quisessem ser campanólogos? Daqui a 50 anos, essa arte desapareceria. E isso é mau, não é? Nem por isso. A arte só pode desaparecer se ninguém estiver interessado. E se ninguém quiser ser campanólogo, ninguém se vai importar muito que desapareça. Parto do princípio que já ninguém conhece a mistura certa de isco para atrair um urso nem sabe manejar uma lança para decapitar outra pessoa, e talvez se tenha lamentado o declínio dessas artes no equivalente ao Today do século XVIII, mas hoje em dia já nada disso importa.
Quando eu era novo, sabia trabalhar com o duplicador de álcool da escola, a Ditto Machine. Se não sabe do que estou a falar, é uma forma primitiva de fotocopiadora que reproduzia um documento, graças a um cilindro que usava tintas especiais dissolvidas em metanol. Aposto que ninguém da geração abaixo da minha sabe operar uma daquelas coisas. Ainda bem! Eram uma treta, e os vapores deixavam os miúdos pedrados. Não importa que a antiga técnica da duplicação a álcool tenha morrido porque agora temos a Hewlett-Packard C4200, que combina o scanner digital e a fotocopiadora – e aposto que em 1973 ninguém a sabia operar.
Outras competências que estão mortas ou moribundas incluem a arte do emboço, a da cura da loucura com sanguessugas, a da leitura do código de cores dos transístores, a de tocar o realejo, a de sintonizar um rádio de galena, a de cavar canais e a de esculpir à mão gárgulas para adornar catedrais. Tudo isto foi largamente esquecido porque não era necessário. Será que importa – e há quem diga que sim – que já ninguém saiba reparar o seu carro? Há cinquenta anos, qualquer tipo sabia afinar os platinados do seu Austin A35 blá blá blá válvulas blá blá carburador blá blá copo de lubrificação. Mas já estou a ficar aborrecido com os velhotes que dizem: “Bem, é óbvio que antigamente, quando o carro avariava, nós sabíamos exactamente como repará‑lo”. Esquecem‑se é de dizer que o carro avariava a cada quarto de hora. O facto de ninguém precisar de fazer isso é bom porque mostra quão melhores são os carros. As pessoas não passavam tanto tempo sob o capot para aprenderem mecânica; faziam‑no porque os carros eram uma porcaria. Como agora são melhores, podemos deixar para trás o drama da tampa do distribuidor.
Não fique com a ideia errada – eu gosto de mexer em velharias e de tentar consertá‑las. Acho que é estimulante e que é bom para a alma. Mas eu sou um pervertido. E como existem pervertidos suficientes para manter em funcionamento a maioria das coisas antigas, o resto das pessoas não precisa de se preocupar. O que fazia parte da gema da consciência humana é agora um passatempo para quem assim o deseja. Muitas das competências antigas relacionadas com os automóveis já desapareceram, mas têm surgido novas, que vieram substituir as antigas, como saber configurar os bancos de um monovolume ou instalar um sistema de som. E digo‑lhe o que é ainda melhor do que fazer um telhado de colmo. Na semana passada, conheci um homem que sabe mexer no GPS de um Maserati.

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