sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Clarkson vira grego


Há dias, eu passei por um radar e, como toda a gente que respeita a Lei, abrandei para não ser registado. Mas ele registou-me. E o mesmo aconteceu alguns quilómetros depois. O velocímetro dizia que eu ia a 80 km/h. O limite era de 80 km/h. Mas ele registou-me também.
Precisei de vários quilómetros e muita reflexão para perceber o que se tinha passado. E eis o que se passou: enquanto a minha meia-idade termina e o Anjo da Morte começa a afiar a sua foice à espera da minha chegada iminente, a minha visão já não é o que era e, eu, simplesmente, não li o correctamente o que estava no velocímetro. Eu, na verdade, ia a 96 km/h.
É melhor eu deixar bem claro que ainda consigo ler uma placa de trânsito na Lua. Tudo que estiver longe é totalmente nítido, mas perto, parece que estou debaixo de água. Todas as chamadas que faço são para a pessoa errada. Eu selecciono coisas nos menus e vou parar a algo completamente diferente. E quando tenho que dizer o número do meu router Wi-Fi a um homem na Índia, ele resolve o problema de alguém que está em Vancouver. Estava a conversar com a Esther Rantzen, há dias, e achei-a muito atraente.
É claro, agora eu uso óculos para ler, e tudo bem com isso. Mas não consigo usá-los quando estou a conduzir, porque, apesar do navegador e dos mostradores ficarem bem nítidos, a visão para fora do pára-brisas fica toda borrada. Os caminhões viram carros. Os carros viram motos. As motos desaparecem completamente.
Experimentei uns óculos progressivos, há dias, mas eles provocavam-me dores de cabeça e faziam-me cair pelas escadas abaixo. Usar óculos progressivos é como estar constantemente bêbado e quase sempre com medo. Eu não gostava de ser atacado por um urso polar enquanto os estivesse a usar, porque ele estaria muito, muito distante e, depois, quando estivesse mais calmo, ficava enorme e muito perto.
Deus sabe quantas pessoas conduzem a usar óculos com duas lentes na mesma armação. O trânsito que está a vir na nossa direcção num momento está num outro país e no outro, está no nosso porta-luvas e há um monte de sangue seguido por um polícia cujo capacete está a 8 quilómetros mas os seus sapatos têm o tamanho de dedais.
Enfim, por causa disto, fui apanhado por dois radares e imagino o que aconteceria se isto fosse levado a tribunal. Será que cegueira seria um argumento de defesa? Será que eles me soltariam? Podem apostar as duas nádegas que a resposta é um estrondoso “não”. Eles passar-me-iam uma multa de um milhão de libras e pôr-me-iam a partir pedra durante mil anos.
No entanto, há uma solução. Basta virar grego.
Como os leitores mais antigos se devem lembrar, eu costumo embirrar com os gregos, porque, uma vez, há muitos anos, quando estava na horrenda ilha de Creta, fui preso porque um homem moreno enfiou a sua horrível mão peluda debaixo da saia da minha namorada, e quando eu disse “olha aqui, amigo”, ele deu-me um soco na cabeça. E depois, quando o polícia gordo e estúpido me prendeu, partiu a chave na ignição do seu carro patrulha e, eu fui obrigado a sair e empurrar o carro.
A história até terminou bem. Quando cheguei ao topo de uma colina, eu dei um belo empurrão naquele patético e pequeno Fiat e fugi. Também consegui tirar as algemas dois dias antes de ter que lidar com o problema de passar minhas mãos algemadas pela máquina de raio-X do aeroporto.
Mas não é apenas algo pessoal. Devemos lembrar-nos que o exército grego tem pompons nos sapatos e a comida é terrível. Que outro país cultiva videiras, deita as uvas fora, come as folhas e faz vinho com creosoto? Além disso, a sodomia é assustadoramente popular.
No entanto, apesar das muitas dúvidas acerca do lugar, eu aproveitei as minhas férias de verão este ano na ilha grega de Córcira. Gostei bastante. Mas o melhor foi o enorme prazer de conduzir num país onde ninguém se importa com o facto de sermos cegos, malucos ou cavalos.
Quando aluguei algo que parecia ser um Audi 400cc, o homem da empresa que o alugou, que se chamava Stavros – não é verdade – disse que tinha que me explicar como funcionava o carro. Ele abriu a porta, sentou-se no banco do condutor e eis as palavras exactas que ele disse: “Este é o volante e a chave entra aqui”. Só isso.
E também acho que é só isso que é ensinado a quem está a aprender a conduzir, já que todos conduzem pelo lado da via que quiserem, independente da velocidade necessária em qualquer que fosse tipo de veículo que estivesse mais próximo das suas casas. Vê-se pessoas em buggies, pessoas em Peugeots, pessoas em quadriciclos, pessoas sem capacete ou até camisas em motos rápidas. É um vale-tudo.
Leis sobre bebida e condução? Sei que eles devem ter algumas. Eles têm que ter. A Grécia faz parte da União Europeia. Mas acho que elas são aplicadas da mesma maneira que a polícia britânica aplica a regra que permite mulheres grávidas urinarem em taxistas. Na Grécia, parece que o governo disse: “Aqui está uma estrada. Agora usem-na. E se acabarem mutilados, não venham para aqui chorar.”
Claro que há uma desvantagem nisto tudo. Em 2006, que é último ano que possui registros, 3.335 pessoas morreram nas estradas da Grã-Bretanha. Na Grécia, que possui uma população de sete pessoas, morreram 84 milhões. Lá, só há duas maneiras de morrer. Ser morto num acidente de carro. Ou ser morto num acidente de moto.
Mas há algumas vantagens nisto tudo. Não morreremos de uma doença óssea ou porque um lunático nos enfiou um espeto na cabeça. Nem morreremos por pisar um ouriço-do-mar porque, obviamente, morremos no caminho até à praia.
Mas não fica por aqui. A vida é muito mais relaxante quando não precisamos de nos preocupar com o facto de termos passado metade dela a preocuparmo-nos com a quantidade de vinho que bebemos ao almoço e se lemos o velocímetro correctamente e se estamos a usar o cinto de segurança. O telemóvel toca. Atendemos. Não há problemas.
Obviamente, apenas é correcto e justo que um ladrão passe sua vida a olhar por cima do seu ombro. Ele é um ladrão e tem que se lembrar de não deixar pistas para a polícia. Mas alguém que está a conduzir um carro, após um belo almoço, não é um criminoso. É apenas um gajo porreiro a passear com os amigos num dia de sol. A polícia grega provavelmente irá pará-lo para ver se ele viu algum ladrão ou vagabundo na região – criminosos de verdade a quem eles lhes podem cair em cima.
Eu conversei com um homem lá sobre a proibição do tabaco instaurada recentemente. “Sim”, disse ele, com uma voz parecida com a do Chaim Topol. “Agora é proibido fumar em locais públicos, mas não vai resultar. Todos continuarão a fazê-lo.” Claro que continuarão, e nada será feito por fumar um cigarro num bar, numa bela noite com a família. Não está perto do que se considera ser um crime.
Claro que existe outra desvantagem que devo mencionar nesta altura. Como a polícia só se preocupa com violadores e pessoas que agridem velhinhas na cabeça com tijolos, os magistrados não estão o dia todo nos tribunais a roubar o dinheiro de pessoas comuns que não fizeram nada de errado. E como resultado, a Grécia agora está falida.
Mas apesar da taxa de mortalidade e da falência e dos tumultos resultantes e dos pompons e da sodomia e do vinho retsina e das folhas de videira, ainda temos muito a aprender com o Zé Grego.

Sem comentários:

Enviar um comentário